No comboio, a caminho de Aveiro, fechei os olhos e pensei em todos os planos e sonhos que tinha para mim quando era uma jovem de 16/17 anos... Sorri... Como eu era ingénua! Naquele tempo nunca, em toda a minha vida, imaginei que acabaria por correr o norte e centro do país a dar formação... Nunca imaginei que acabaria sozinha, sem ninguém com quem partilhar a minha vida... sem ninguém a quem dizer "queriiiiiiiiido, chegueeeeeei!" ao entrar em casa depois de um dia fastidioso de trabalho. Depois deste pensamento, vários outros, entre eles recordações do passado, assombraram-me a mente. Recordações que prefiro manter guardadas no canto mais obscuro do meu ser. Depois de todas estas imagens me terem cortado por dentro, repensei no assunto e decidi que... provavelmente... a minha vida não poderia ter sido diferente. Não consigo imaginar a minha vida diferente da que tenho agora (apesar de estar a precisar de melhorar alguns aspectos... uma reformazita... mas... adiante! avante, camaradas!). Não consigo imaginar-me casada, com 1,5 filhos, a viver numa casa com uma garagem para dois carros, e a andar sorridente pela rua (escondendo uma vertente sado-maso - espancamento e submissão do marido à noite - sim, porque eu sou um demónio!). Enfim... penso que não é a vida que eu quero para mim. Acho que nunca me conseguiria habituar a tais rotinas. Não consigo pensar numa vida sem os meus sarcasmos, sem poder entrar e/ou sair sem dar satisfações a maridos exigentes e fastidiosos... etc, etc, etc!
Ainda de olhos fechados, imaginei uma outra pessoa, a viver uma outra vida, a sorrir um outro sorriso, a pensar outros pensamentos (com toda a certeza, menos profundos)... e pensei se, nesse caso, seria ou não uma pessoa mais feliz... Cheguei à conclusão que seria uma pessoa mais feliz, porque seria uma pessoa alheia às coisas e os conhecimentos que fui reunindo durante os meus anos de vida... seria uma pessoa menos sarcástica e mais resignada ao que o destino me reserva... seria uma pessoa oca, sem conteúdo, sem nada de substancial ou interessante para transmitir ao mundo... sem experiências ou vivências para recordar ou partilhar... Neste momento, sou uma pessoa que mergulha de cabeça na melancolia... ávida leitora de tudo o que Edgar Allen Poe alguma vez escreveu... apaixonada pela música (alternativa, indie, rock, blues, folk, celta...), especialmente a que transmite uma mensagem à qual estou completamente aberta... Enfim... estou a divagar... perdi-me a contar os pensamentos que me invadiram durante a minha viagem de Porto a Aveiro. Uma hora de pensamentos... uma hora que me pareceu uma eternidade!
Muitos dos sentimentos que experimentei durante a minha curta vida (curta... é relativo... são 31 anos... para mim é curta, mas para os chavalos que curtem o rebelde way é uma eternidade; para eles, sou uma relíquia manuelina), estão agora dormentes... A minha alma, que outrora erradiava uma luz brilhante que cegaria até o mais puro dos anjos, transformou-se numa sombra errante, ao estilo dos espíritos descritos no célebre romance "wuthering heights" de emily bronte. Sinto-me atormentada, exasperada, frustrada, confusa mas sem vontade de gritar ao mundo os meus ódios; Estou apática, sem voz... possuída por uma ausência de capacidade para exteriorizar seja o que for que estou a sentir...
Abri os olhos... e uma pequena esperança crepitou em mim, ao pensar que, talvez, o karma e a teoria da reencarnação sejam a derradeira "verdade" e, assim, poderei voltar ao mundo e viver novamente. Talvez durante essa nova vida eu terei a oportunidade de experimentar tudo aquilo que planeei e sonhei para mim quando tinha 16/17 anos. É caso para dizer: "Mais uma vez... e com sentimento!".
E assim passei o tempo entre a estação de S.Bento (Porto) e a estação de Aveiro... sempre absorta em pensamentos... 60 minutos que me pareceram 60 vidas.